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terça-feira, 19 de junho de 2012

Imagens sombrias # 1 - Relíquias

_ Mas o quê...?_ Pergunta minha mãe sem nem terminar.
   Meu irmão, Isaac, deve ter feito outra burrada, afinal, ele não cansava de fazer isso. Depois que nós nos mudamos e ele ficou sem seus "amigos" e seus espaços de brincadeira, como o quintal e a varanda, por comprarmos uma casa bem menor que a anterior, meu irmão desastrado vivia tentando arrumar um jeito de brincar mesmo dentro de casa. Mas a bola não deu certo, o pião não deu certo e agora saberia o que também não havia dado certo.
   Ao chegar na sala e vê-la toda suja de respingos de tinta nas paredes, cortinas, nos móveis e no carpete, com minha mãe aos gritos e sem ação imediata, pego Isaac no colo, enquanto ele pintava um papel já todo encharcado de tintas misturadas e o levava com um pincel na mão respingando em minha roupa limpa para o banheiro.
   Chegando no banheiro, começo a tirar sua roupa e o coloco embaixo do chuveiro já ligado na água gelada, o fazendo grunhir de nervoso.
_ Quem mandou? Isaac, você não é mais bebê. Pode tomar seu banho sozinho._ Digo a ele o deixando com a bucha na mão cheia de sabonete líquido.
   Me esquio passando pela porta do porão seguindo para a escada e a subo em direção ao meu quarto. Ao entrar nele, deparo com minha imagem no espelho com a roupa repleta de pingos de tinta. Ai, como eu odiava aquele espelho em frente a porta... Dava-me calafrios. Mas foi útil naquele momento. Eu pude ver-me suja antes de adentrar no meu quarto assim podendo ir ao banheiro do segundo andar sem ter muitos esforços.
   Preguiçosa como sempre, já que a cadeira de rodas higiênica da minha bisavó que morava com a gente estava dentro do chuveiro, sentei ali mesmo e banhei-me tranquilamente.
   Sai sentindo-me tão limpa e confortável, que só fui perceber minha bisa chamando-me quando estava no primeiro degrau.
_ O quê bisa?_ Pergunto meio incômoda e sem vontade de saber, segurando a toalha na cabeça com uma mão e com a outra a toalha que enrolava meu corpo. Minha mãe sobe acelerada as escadas e segue em direção ao quarto da bisa atropelando-me no meio da escada.
   Ela me olha com uma cara zangada da porta do quarto da bisa e coloca suas mãos na cintura as envolvendo enquanto bate o pé. Sim, isso significava que ela precisava de ajuda, minha bisa poderia estar querendo ir ao banheiro.
   Vou até seu quarto ajudar minha mãe e nos revezamos no movimento de puxa e solta a minha bisavó até ela conseguir ficar em pé para se alimentar. Ela era encamada, e isso era uma dificuldade rotineira da minha vida. Todos os dias eu a ajudava a se levantar e a se sentar, alimentar, deitar... Enfim, eu fazia de tudo um pouco. Mas é que as vezes isso cansava, eu quase não tinha vida social.
   Na escola eu não conhecia ninguém. Mas também, eu cheguei na cidade a poucas semanas e já tinha faltado duas. Não tinha como eu ter amigos.
   Já na rua, eu só tinha algumas aparições ao ir ver minha mãe ir para o trabalho e a ajudante chegar para tomar conta da minha avó. E foi numa dessas aparições que eu conheci o vizinho legal da frente. Ele ajudou minha mãe a recolher algumas coisas que ela deixara cair da bolsa um dia desses antes de sair para o trabalho. Enquanto ele ia para a escola, eu ficava em casa ajudando minha bisa e tomando conta das estripulias de Isaac.
   Já estava ficando de noite e eu estava lendo um livro sentada na bancada da janela do meu quarto. Foleando meio que com incerteza, pois era tão chato que chegava a dar sono.
  Eu tinha encontrado esse livro numa das caixas que chegara a poucos dias, deveria estar na estante da antiga casa na qual eu nunca mexia. Enquanto foleava, o sol baixava e a iluminação do meu quarto foi o fino feixe de luz que vinha do poste a frente da casa. O quarto todo escuro era confortador e acomodante. A luz clara e escondida mirava diretamente no livro, facilitando sua leitura. Em voz baixa tentava entender as escritas antigas.
   Continuei folheando até encontrar uma foto estranha e que tinha seus olhos furados. A foto não era tão pequena, não chegava a ser uma 3x4, mas também não era grande. Os furos assustaram-me, fazendo pular da bancada e largar o livro, que caiu da janela a fora. E enquanto isso saía de sua casa o vizinho gentil, que olhou para a janela do meu quarto, com a mão em cima do olhar, para ver quem estava ali. Saio da sua visão e sigo correndo a porta do quarto a forçando para abrir, ela tinha sérios problemas e precisava de um óleo para lubrificar as vergas. Desço as escadas e chego no final ofegante. Saio correndo para a porta de entrada e quando a abro encontro o vizinho bem na cara da porta com o livro na mão e o braço esticado para tocar a campainha.
   Envergonhado, ele leva o braço até a cabeça e a afaga um pouco. Sorrio leve e ele estanca um sorriso maior no rosto, devolvendo o livro.
_ É..._ Diz ele esperando algo enquanto colocava as duas mão no bolso.
   Ao perceber o que ele queria, estendo minha mão para um aperto.
_ Obrigada._ Após um tempo e depois de ele apertar minha mão, apresento-me._ Prazer, London.
   Ele sorri de novo tirando a outra mão do bolso e afagando a cabeça novamente.
_ Freddie._ Diz ele envergonhado, mas eu sabia que eu estava ainda mais envergonhada.
   Enquanto continuávamos nos entreolhando assustados com o impacto do momento, só pensava na foto e em quem poderia ser a pessoa fotografada.
                      # CONTINUA EM BREVE